A nova guerra contra imigrantes e anarquistas na Grécia

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Uma entrevista com anarquista em Exarchia

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Cheia de centros sociais ocupados e caracterizada por um espírito anti-autoritário combativo, o bairro de Exarchia em Antenas, Grécia há muito tem sido um ponto de referência para movimentos autônomos ao redor do mundo. O novo governo de direita que chegou ao poder na Grécia prometeu esmagar esse experimento de inclusão e autodeterminação. Em 26 de Agosto, invasões policiais massivas desalojaram 4 ocupações, incluindo algumas abrigando famílias refugiadas, muitas das quais tinham sido enviadas a campos de concentração; nesse momento a polícia de choque cercou Exarchia, preparando seus novos ataques. Em resposta, manifestações foram puxadas para 31 de Agosto e 14 de Setembro. Nós entrevistamos uma pessoa moradora de Exarchia em relação a esse novo capítulo da luta e as perspectivas futuras para quem procura um mundo sem capitalismo ou opressão estatal.


Em Janeiro de 2015, enquanto a onda de vitórias eleitorais da direita ganhava ímpeto, o novo partido de esquerda Syriza ganhou as eleições. Naquele momento, isso inspirou bastante entusiasmo de esquerdistas e socialistas na Grécia e em outras partes do mundo; no entanto, argumentamos que o Syriza tiraria os movimentos das ruas, re-legitimizaria as instituições do Estado sem mudar suas características essencialmente repressivas, e acabaria falhando em lidar com as consequências do capitalismo, polarizando eleitores gregos à direita. Como antecipamos, Syriza não seguiu com suas promessas de defender a Grécia das medidas de austeridade demandadas pela União Européia. Em vez disso, impuseram as medidas de austeridade por conta própria, polarizando ainda mais a Grécia e confirmando que não há nenhuma solução eleitoral viável para a crise imposta pelo capitalismo.

Consequentemente, em Julho de 2019, o antigo partido de direita Nova Democracia ganhou as eleições nacionais com uma clara maioria. Alguns jornalistas corporativos celebraram a vitória do Nova Democracia como um retorno ao de sempre, rejeitando o suposto “extremismo” tanto do Syriza quanto do partido fascista Aurora Dourada. Mas a vitória do Nova Democracia é também uma vitória da extrema direita, que viu suas pautas racistas e nacionalistas serem aceitas por toda parte. Eles tomaram posse com a intenção de culpabilizar imigrantes e anarquistas pelos fracassos do capitalismo neoliberal e pelas traições de políticos de esquerda. Se valendo das férias de verão para atacar, já começaram a desalojar violentamente centros sociais anarquistas e habitações auto-organizadas de refugiados em Atenas, declarando guerra abertamente contra todas pessoas que se colocam no caminho de sua visão de ordem opressiva.

Fizemos a seguinte entrevista com uma pessoa anarquista de bandeira negra anônima residente de Exarchia, a três quarteirões da Praça Exarchia seguida de um pequeno motim nas primeiras horas de 28 de Agosto.


O partido Nova Democracia começou declarando guerra contra anarquistas, especificamente no bairro de Exarchia em Atenas. Temos visto uma série de artigos mal redigidos pela imprensa marrom propagando medo da “violência anárquica” e prometendo maiores medidas de repressão do governo. Por que eles priorizaram focar em anarquistas e especificamente em Exarchia como o principal inimigo do Estado? Quanto da população você pensa que concorda com essa caracterização das anarquistas?

O Nova Democracia demonstrou uma espécie de obsessão delirante quanto à Exarchia. Eles se referem ao bairro como se fosse a base da crise aqui, como se fosse o alicerce para todos os problemas da Grécia. Como moradora de Exarchia e anarquista ativa, posso confirmar que a linguagem que usam para descrever meu bairro é ridiculamente exagerada.

Claro, há alguns problemas com tráfico de drogas e práticas predatórias da máfia em Exarchia. A máfia recruta pessoas refugiadas, se aproveitando de suas necessidades desesperadas por emprego, esperando que anarquistas que se opõem às tentativas oportunistas de estabelecer um mercado de drogas na área livre de polícia de Exarchia vão hesitar antes de baterem nas pessoas refugiadas. Essa situação é resultado da pobreza que refugiadas encontram enquanto esperam para receber asilo ou lutam para estabelecer suas casas em Atenas, tentando evitar assédio da polícia e de fascistas.

Isso é trágico, mas não é nada em comparação com um gueto típico dos EUA; é o resultado inevitável da combinação de crise econômica com a chamada “crise de refugiados”. A imagem de um refugiado traficando drogas em Exarchia é um bode expiatório fácil para a direita, e o partido Nova Democracia tem usado isso toda hora de uma maneira covarde para reunir apoio reacionário.

A maioria das pessoas fora da Grécia não entendem por que Exarchia é um bairro tão grande. Fica a apenas 5 minutos de caminhada da parte mais cara do centro da cidade, Colonaki, que é um bairro de classe média-alta comparável ao Upper West Side de Manhattan. O movimento anarquista apareceu no começo da década de 1970 a partir da resistência estudantil ao Junta, que era concentrado perto de Polytechnio, a universidade de arquitetura de Atenas. Até então, Exarchia era uma espécie de extensão de Colonaki. Desde os anos 1970, o bairro tem se tornado um lugar de encontro para anarquistas e pessoas que ocupam, mas também para comunidade do teatro, esquerdistas, intelectuais, artistas e clientes de uma variedade de bares alternativos. Também é conhecido localmente como um destino de diversão noturna nos fins de semana para estudantes e baladeiras tanto quanto é conhecido por motins e ocupações.

Enquanto todos esses elementos coexistem em uma espécie de equilíbrio caótico, antigos moradores de Exarchia seguem reclamando. A menos que você seja um dos poucos sortudos que encontrou um apartamento aqui que pertence a uma pessoa idosa que desconhece o potencial para Airbnb e a erupção do mercado imobiliário no centro de Atenas, ou se você mora em uma ocupação ou em uma casa pertencente a sua família, é improvável que uma típica pessoa grega da classe trabalhadora possa pagar para viver aqui. Os moradores ricos de Exarchia reclamam com as autoridades municipais. Eles têm feito isso por anos. O Nova Democracia está respondendo de uma maneira que pode ser pior do que imaginam.

Por exemplo, tem um morro famoso chamado Streffi onde a juventude e anarquistas vão para relaxar com pessoas amigas e camaradas. Também é um parque bonito que costuma receber festas e encontros para celebrar e beneficiar as contra-culturas punk e hip-hop e movimentos anarquistas e anti-fascistas. Pelo fato de ter uma vista de Acrópolis e de algumas das casas mais caras de Exarchia, uma iniciativa brutal começou no verão de 2018 para esmagar a cultura de zona-livre-de-polícia de Streffi. A polícia de choque cercava o morro antes de qualquer evento anunciado, e demoliu completamente a única ocupação na área logo depois dela declarar solidariedade com as pessoas que tentavam retomar Streffi.

Em resumo, Exarchia não é a utopia bonita na qual anarquistas vivem junto em harmonia com outras pessoas locais. Há informantes e “cidadãos de bem” que aplaudem a polícia.

O partido Nova Democracia já esteve no poder antes. Eles não são coisa nova. Mas depois de 5 anos no exílio enquanto o Syriza estava no poder, eles estão declarando vingança contra a esquerda. Diferente do Syriza, que tinha um entendimento realista de Exarchia, membros do Nova Democracia têm uma imagem infantil do bairro. Eles mistificam-no como o inimigo de toda a civilidade grega e o epicentro de todas as coisas de esquerda ou anarquistas.

Enquanto Kyriakis Mitsotakis, o novo primeiro ministro, é um garoto rico que provavelmente nunca pisou no bairro, a polícia é ainda mais obcecada com Exarchia. Na manhã de 26 de Agosto, quando quatro ocupações foram desalojadas, o porta voz da polícia foi à televisão nacional para dizer “Um dedo iniciou um aspirador de pó silencioso que é a polícia, a qual vai lenta e progressivamente sugar todo o lixo de Exarchia, de forma democrática, baseado em um plano montado pela polícia”. E ele continuou, descrevendo as 143 refugiados que foram detidos como “poeira com caráter irritante”.

Um policial usando um patch identificando suas políticas fascistas durante os desalojos. O patch diz “Venha e pegue”, um lema do partido fascista Aurora Dourada.

A polícia se sentiu traída pelo Syriza. Eles acham que nos últimos cinco anos, o governo tolerou as ações semanais contra a polícia de choque que cercam Exarchia. Agora a polícia está preparada para guerra. Assim que Nova Democracia foi eleito, a polícia de choque guardando o antigo quartel general político do partido PASOK em Exarchia espancou um homem sem teto quase até a morte. Quando um jornalista local tentou intervir, a polícia fez ameaças; um policial foi citado dizendo “assim é como as coisas serão daqui pra frente”. Eles estão encorajados agora da mesma maneira que a polícia estadunidense e fascistas estavam quando Trump foi eleito. Eu não poderia fazer uma comparação mais precisa.

Encorajados assim, eles esperam a próxima batalha com grande expectativa. A polícia de choque que colocaram em Exarchia é tipicamente de fora de Atenas; eles escolheram oficiais com atitudes de extrema direita especificamente para esse papel. Esse é um precedente de longa data para a polícia de choque. Em algumas maneiras, eles gostam de motins assim como anarquistas; eles também acreditam que estão lutando uma guerra. O Nova Democracia lhes deu um mandado claro de restaurar a ordem em Exarchia.

Também podemos ver que Exarchia se tornou alvo de mais alta prioridade como consequência do declínio da ação mais radical do movimento anarquista. Depois de um período de muitos ataques surpresas e bombas seguido da revolta de Dezembro de 2008, muitos membros de grupos anarquistas como Conspiração das Células de Fogo e Luta Revolucionária foram capturados e presos, e tem havido uma diminuição significativa do chamado terrorismo político. Essas ações ainda acontecem, mas não na mesma frequência e intensidade como antes.

Isso é similar com o que aconteceu com anarquistas estadunidenses depois da Operação Backfire](https://crimethinc.com/2008/02/22/green-scared) como resultado do FBI declarando as Frentes de Libertação Animal e da Terra sendo a ameaça “terrorista” doméstica número um nos Estados Unidos. Depois de uma onda de infiltração, repressão e sentenças excessivas mirando ação direta clandestina, o movimento anarquista dos EUA se deslocou para ações de rua em massa. O Estado mudou sua estratégia, também, usando júris populares para assediar as pessoas, demonizando formas clássicas de protesto, e militarizando departamentos de polícia.

De uma forma parecida, devido à queda dos ataques clandestinos, a direita grega tem sido forçada a construir um novo inimigo. Essa é provavelmente a razão pela qual escolheram o bairro de Exarchia e focaram no grupo anarquista local Rouvikonas (Rubicon). Rouvikonas tem bastante reputação em Atenas e a mídia o ama. Essencialmente, são um grupo anarco-comunista que se empenha em desobediência civil com um lado agressivo. Intimidam patrões, jogam tinta em prédios, quebram catracas e entradas de metrô, e organizam várias outras ações que são inspiradoras e encorajadoras mas deliberadamente restritas no sentido de evitar o risco de longas penas de prisão.

Independente de suas restrições e o fato de serem apenas um de muitos grupos no movimento anarquista grego, Rouvikonas se tornou o novo inimigo público número um do governo, junto com anarquistas em Exarchia como um todo e o fantasma do tráfico de drogas na praça. A menos que surja uma preocupação mais urgente, o Nova Democracia vai focar nessa ameaça construída, esforçando-se para se apresentar como salvadores do povo helênico, ao mesmo tempo sem fazer nada para melhorar a vida das pessoas – uma estratégia fascista clássica.

É difícil saber quantas pessoas compram a narrativa da nova direita grega. Por volta de 39% de eleitores gregos votaram pelo Nova Democracia, com outro 31% votando pelo Syriza, 5% pelo Partido Comunista e 3% pelo Aurora Dourada. É difícil dizer o quanto da população acredita no absurdo dessa administração sobre Exarchia. Grécia tem uma sociedade muito polarizada, notória por um ceticismo popular quanto a políticos de todas as tendências. Mas as pessoas que moram no campo ou nos subúrbios de Atenas, as super ricas e as pobres isoladas que votaram a favor do Nova Democracia certamente assinam embaixo sua agenda.

“Bom dia da praça Exarchia. Em 8 de Julho, nós estamos dando a praça para seus moradores. A ilegalidade terminou. A proibição de entrada terminou. Com o Nova Democracia, essa praça vai ser uma praça normal novamente.” Após apressadamente gravar esse video, esse político de direita fugiu de Exarchia tão rápido quanto conseguiu.

Da primeira onda de invasões policiais, na qual 4 ocupações foram desalojadas e 143 pessoas presas, a grande maioria das prisões foram de imigrantes, que estão sendo levadas para campos de concentração. Como as medidas de repressão prometidas pelo Nova Democracia se relacionam com a contínua culpabilização e repressão de imigrantes? Como as estratégias anarquistas para se defender das medidas repressivas do governo abordam o foco nos imigrantes?

Das 4 ocupações desalojadas, apenas duas abrigavam refugiadas. As outras duas eram espaços anarquistas que não tinham essa função. Não é fácil colocar todas as ocupações que foram alvo em qualquer categoria única, já que estão associadas com diferentes grupos e diferentes objetivos. Uma dessas ocupações, chamada Gare, tem sido desalojada – e reocupada – diversas vezes já sob o mandato do Syriza.

Também é importante ressaltar que as ocupações Spirou Trikopi 17 e Transito estavam oferecendo moradia e apoio a refugiadas de maneira completamente auto-determinada independente do Estado. Syriza nunca visou essa ocupação, pelo que eu entendo – e é aqui que uma nova mudança de política é óbvia. Essas ocupações, junto à diversas outras próximas, tem proporcionado espaços livres para famílias de refugiadas em condições que são muito melhores que aquelas instalações de detenção financiadas pelo Estado. Mesmo se considerarmos o assunto de um ponto de vista estatal, na realidade economiza dinheiro do Estado pelo fato de refugiadas estarem auto-organizando suas moradias dessa forma com apoio de anarquistas.

Então isso é um explícito ato racista e fascista de vingança simbólica vindo do novo governo: uma afirmação para refugiadas e outras pessoas imigrantes que elas não estão mais seguras no asilo de Exarchia. Muitas refugiadas que foram detidas vão provavelmente ser movidas para o centro de detenção Petrou Ralli, um lugar volátil localizado no meio de uma zona industrial em Atenas. Outras relataram terem sido dispersas para vários campos de concentração de refugiadas em torno de Atenas e da Grécia.

Deixe eu repetir isso: mesmo de uma perspectiva estatal, os espaços que a polícia desalojou estavam economizando dinheiro de contribuintes gregas e atenuando alguns dos impactos da assim chamada crise de refugiados. Entretanto, assim como o governo dos EUA gasta mais dinheiro capturando e aprisionando imigrantes e pessoas sem teto do que gastaria simplesmente ajudando ou lhes dando casa, o objetivo é criar a qualquer custo um precedente político para a sociedade. Imigrantes e refugiadas não são bem vindas aqui, lei e ordem acima de tudo, e, assim como todos governos de direita reinando sobre várias parte da Terra hoje, o governo grego visa incentivar sua base a culpar as pessoas desesperadas e excluídas pelo seu sofrimento, em vez da ordem hegemônica ou das elites que se beneficiam dela.

Syriza desalojou várias ocupações enquanto estavam no poder. Mas eles visavam ocupações de imigrantes que alegaram estar abrigando pessoas envolvidas com tráfico de drogas e ocupações anarquistas que eles afirmavam estar sendo usadas para a fabricação de coquetéis molotov. Em ambos os casos, eles tentaram enquadrar uma narrativa ética, tentando desenhar uma linha entre as “boas” e as “más” ocupações.

Por contraste, o Nova Democracia deixou claro que eles tem um plano de longo prazo para erradicar não apenas as ocupações existentes em Exarchia mas o ato de ocupar em si mesmo, junto com todas as pessoas refugiadas, imigrantes, anarquistas, jovens e outras pessoas que dão ao bairro sua característica mundialmente famosa. Eles visam destruir a cultura que veio a definir Exarchia. Isso não vai ser um procedimento rápido; eles tem um plano de longo prazo, provavelmente concluindo com a criação de uma parada de metrô na praça Exarchia e um retorno aos “bons velhos tempos” quando Exarchia tinha mais em comum com Colonaki.

Além do governo aprisionando famílias que tem vivido vidas pacíficas e auto-determinadas em Exarchia, o elemento mais marcante do desalojo em 26 de Agosto foi o seu momento. No fim de Julho de 2019, na mesma época que acabaram com o aliso universitário, o Nova Democracia soltou o agente de polícia que assassinou o adolescente anarquista Alexis Grigoropoulous; essas foram duas provocações dramáticas destinadas aos movimentos anarquista e autonomista. Tipicamente, o Estado despejou ocupações entre o início de Julho e meados de Agosto. Enquanto ocupações tanto dentro quanto fora de Exarchia – por exemplo, nos bairros de Kipseli e Koukaki – tem sido repetidamente intimidadas ao longo do verão e continuam a experienciar intimidação nesse momento, a operação de 26 de Agosto foi programada para ocorrer imediatamente antes de muitas pessoas voltarem das férias de verão. Executar esses ataques nesse momento tem o sentido de enviar a mensagem que guerra foi declarada contra Exarchia e àqueles que apoiam o experimento social livre de polícia e antifascista que ela representa.

Para voltarmos a situação de imigrantes, elas estão tendo suas vidas arruinadas novamente. As pessoas estão preocupadas com refugiadas cometendo suicídio. Podemos ver uma intensificação da violência por parte de refugiadas desesperadas. Muitas das pessoas que enfrentaram e escaparam as mais terríveis circunstâncias do nosso século encontraram Exarchia sendo um lugar seguro que poderiam chamar de casa. O trauma que o Nova Democracia pretende infligir com seu reino de terror pode produzir resultados inesperados. Essa é uma realidade triste que precisamos discutir. Devemos levar a sério a gravidade do dano emocional que as invasões de 26 de Agosto causaram, assim como as invasões que provavelmente virão.

Ouvimos dizer que o governo grego revogou a “lei santuário” que mantém o asilo universitário, proibindo a polícia de entrar nas universidades exceto em emergências. Como isso vai afetar o movimento anarquista na Grécia e o contexto social como um todo?

Até agora, o fim do asilo universitário ocorreu apenas em palavras. Policiais já invadiam frequentemente universidades durante revoltas ou na perseguição dos assim chamados criminosos. Agora eles mudaram a lei para que a polícia não precise da permissão formal de um reitor de universidade para entrar. Mas resta ver o que isso vai significar na prática. Asilo universitário é uma vitória conquistada com muito esforço e apreciada por uma parte significativa do movimento na Grécia. Muitas pessoas estão profundamente investidas nisso. Não é simplesmente uma questão das pessoas algumas vezes correrem para a Polytechnio em Exarchia para evitar prisões durante revoltas. Isso é apenas um aspecto muito pequeno de como o fim da autonomia universitária vai afetar o movimento.

Universidades são um importante ponto de reunião para assembléias e para organização na Grécia. Existem espaços ocupados dentro de várias universidades que abrigam centros sociais (steki) e grupos anarquistas. Acima de tudo, universidades tem servido como espaço de recrutamento para anarquistas e como local para eventos. Festas e eventos nas universidades em toda a Grécia, de shows de hip-hop na escola de economia em Kipseli aos shows punk na escola de direito em Neapoli, tem proporcionado uma infraestrutura importante para desafiar a repressão e arrecadar fundos, assim como um espaço seguro e acessível para as pessoas se reunirem e se conectarem politicamente.

O Nova Democracia tem estado obcecado com usuários de drogas e tráfico de drogas, mas nenhuma pessoa informada negaria que a polícia tem intencionalmente empurrado viciados e traficantes para as universidades. Na maioria dos casos, o uso e o tráfico de drogas não interrompeu a função ordinária das universidades. Mas vício em drogas é um problema grande na Grécia, onde existe pobreza extrema pelos padrões europeus e o porto de Piraeus serve como centro de entrada de heroína na Europa. Eu não culpo as pessoas pelos seus vícios; eu culpo o capitalismo. Ao mesmo tempo, a polícia tem usado a epidemia para atacar as universidades e Exarchia. Há muito tempo, agora, eles tem empurrado viciados para as periferias das universidades na esperança de deslegitimar a lei do asilo e minar a autonomia estudantil. E enquanto a situação do tráfico de drogas em Exarchia se tornou triste e confusa, ela tem origem com um enorme esforço policial em 2010 para empurrar viciados para Exarchia.

Aliás, além de empurrar o comércio de drogas para as universidades, a polícia tem procurado empurrá-lo para bairros habitados (em grande parte legalmente) por imigrantes. Essa é uma forma de consolidar drogas e crimes em comunidades não-brancas ou de imigrantes. Em Atenas, o bairro de Omonia experiencia um dos usos mais devastadores de heroína e metanfetamina que eu já vi nessa cidade. Ocorre que é também uma das maiores concentrações de empresários paquistaneses e bengalis.

O tempo dirá se a polícia consegue controlar as universidades na prática. Se eles começarem a rondar os campi, desalojar os centros ocupados nas universidades e acabar com as festas, isso prejudicaria o movimento. Ao mesmo tempo, isso provavelmente acenderia uma reação contundente do movimento que seria como um tiro pela culatra contra o Nova Democracia.

O Nova Democracia talvez esteja cutucando a besta errada. Se pressionarem mais, no lugar de se manter na estratégia lenta e paciente de repressão que o Syriza empreendeu, haverá uma reação mais ampla que se estenderá muito além de Exarchia. A lei do asilo não é apenas apreciada por anarquistas, mas também autonomistas, comunistas, esquerdistas de todos os tipos, e, para dizer de forma simples, jovens que gostam de festa. A reação a essa repressão ainda está para ser vista.

Como o ataque estatal à Exarchia se relaciona com o assalto capitalista no bairro que tem tido lugar através da gentrificação e dos deslocamentos da população urbana? Qual é a relação entre Airbnb, iniciativas de desenvolvimento e a polícia de choque?

Exarchia sempre foi uma espécie de obsessão para as pessoas dos subúrbios conservadores e para fascistas da zona rural. Desde a década de 1970, tem havido esforços para interferir em Exarchia repetidas vezes. Depois da insurreição de 2008, a polícia Delta invadia o bairro ao acaso, atacando e espancando pessoas. Syriza eliminou-a formalmente; agora o Nova Democracia planeja restabelecê-la.

Mas o Airbnb é o inimigo invisível que todos estão em desvantagem para lidar. Exarchia está se tornando um dos lugares mais caros para viver no centro de Atenas, e o Airbnb é quase 100% responsável por este súbito aumento no valor imobiliário e nos aumentos dos aluguéis de curto prazo. Antes do Airbnb, um apartamento de 3 quartos custaria a você 250 euros por mês; agora, o mesmo apartamento poderia gerar bem mais que 1800 euros por mês se usado para Airbnb.

Isso chamou a atenção de proprietários e investidores. O Nova Democracia tem prometido uma nova prosperidade para a Grécia depois de anos de recessão. No entanto, na cobertura de TV melodramática de Exarchia aqui, raramente se menciona que todos esses elementos criminosos alternativos e desviantes estão na realidade entretendo um grande mercado de turismo alternativo.

Em Exarchia, turistas alemães, estadunidenses e chineses andam lado a lado com as mesmas pessoas imigrantes e anarquistas que a polícia se refere como lixo. Existe até mesmo um passeio disponível como uma “Experiência Airbnb” chamada “Doce Anarquia” descrevendo Exarchia e seus habitantes em situação de rua como se fossemos animais em um zoológico.

O que mudou na guerra contra Exarchia desde os dias antes do Syriza? Principalmente, isso: se o Nova Democracia for capaz de ter sucesso no seu esforço de longo prazo para erradicar aqueles que defendem o caráter do bairro, Airbnb e investidores estrangeiros criaram um novo mercado que estará pronto para redefinir Exarchia rapidamente.

Como anarquistas responderão aos ataques prometidos pelo Estado? Existem divisões quanto a questões de estratégia?

Eu não acho que existem muitas divisões quanto a questões de estratégia. Comparado aos EUA, existem menos vozes burguesas demandando pacifismo nos movimentos aqui. Qualquer estratégia para a auto-defesa de Exarchia e dos movimentos que a definem serão bem vindas, seja lá qual forma ela tomar. Alguns grupos são mais abertos a usar a força do que outros, mas é raro escutar o tipo de debate sobre violência e não-violência que frequentemente vem a tona nos EUA.

Mas o desafio não é tanto a divisão por conta de estratégia mais do que é a divisão em si mesma. Acho que a maioria das pessoas no movimento diria que a moral está em um ponto baixo na memória recente. Existem mais anarquistas, autonomistas e anti-fascistas do que nunca, mas a divisão é desenfreada. Muitos grupos tem uma atitude competitiva em relação à outros, nutrem disputas pessoais, experienciam lutas internas, ou recusam a trabalhar juntos de qualquer maneira. Ainda assim, eu acredito que isso vai mudar rápido.

Muitas diriam que 2008 a 2012 viu o auge da atividade anarquista na Grécia até agora no século XXI. Existiram muitos desafios depois das operações policiais em massa contra os grupos Conspiração das Células de Fogo e Luta Revolucionária, sem mencionar as trágicas mortes de três funcionários de banco durante a greve geral de 2010.1 Muitas pessoas experienciaram uma insurreição, uma revolta generalizada da qual as pessoas só conseguem sonhar no atual movimento anarquista nos EUA. Levante e organização aconteceram igualmente em grande escala. Entretanto, seguido esses anos de luta, muito pouco de fato mudou. Austeridade e pobreza continuam a norma, enquanto a Grécia se torna o bode expiatório para as políticas européias fracassadas e a nova geração foi forçada a enfrentar as consequências da crise econômica.

Quando o Syriza veio ao poder, muitas anarquistas brigaram entre si sobre se deviam ou não votar neles. Algumas argumentaram que um governo do Syriza tornaria mais fácil defender Exarchia e aliviar o sofrimento das pessoas aprisionadas, assim como atenuaria o estresse causado pelas forças estatais como a polícia Delta. Isso criou muita divisão entre anarquistas, mostrando como as coisas ficaram confusas quando o que parecia ser uma revolução social rapidamente virou-se para a esquerda, subindo ao palco no teatro da política grega.

O Syriza foi estratégico como uma cobra. Os líderes do partido conheciam Exarchia; muitos eram intelectuais de esquerda e acadêmicos que costumavam vir a Exarchia para debater durante um café ou uma cerveja. Sabiam como sufocar o movimento, como virar as pessoas umas contra as outras. Sabiam como dar às pessoas espaço suficiente para respirar para que não se sentissem estranguladas. Mas eles tinham as mãos em volta dos nossos pescoços por todo o tempo.

Muitas pessoas da primeira geração ficaram deprimidas ou seguiram adiante. Foi triste ver o que muitas pensaram como um governo de esquerda com todas as respostas certas impondo medidas de austeridade. Foi uma conclusão triste aos anos de pico da resistência.

Entretanto, o número de participantes em movimentos anarquistas, autonomistas e anti-autoritários não diminuiu. Pelo contrário, aumentou consideravelmente. O anarquismo existe em grande escala na Grécia. É difícil descrever a amplitude do movimento e sua diversidade para um público estadunidense.

Durante os anos do Syriza, existiu uma quantidade considerável de repressão. A polícia atacou ocupações, mas o fez de uma maneira muito calculada, para que as pessoas direcionassem sua raiva internamente, enfatizando pequenos conflitos e distinções políticas. O governo do Syriza ajudou a alimentar as chamas do sectarismo no movimento ao conter o movimento em vez de tentar suprimi-lo.

Agora, existem sinais de que as pessoas estão se unindo. Um novo pôster está circulando chamando para uma mobilização em 14 de Setembro, sob o lema “Não passarão”. Muitos grupos em Exarchia que estavam em desacordo durante os anos do Syriza estão chamando para essa mobilização juntos. As assembléias que ocorreram nas últimas 48 horas não foram caracterizadas pelas lutas internas que muitas de nós estávamos acostumadas, e o número de participantes tem sido alto. As pessoas sentem a pressão. Elas sabem que devem escolher suas batalhas. Elas aprenderam com as decepções do Syriza que não existe alguma coisa como uma vitória para os nossos movimentos dentro do teatro da política estatal.

Eu acho que muitas pessoas esperavam isso. Algumas estão deprimidas e divididas, mas preparadas para transcender esses problemas coletivamente. Desde seu início na década de 1970, o movimento anarquista grego como conhecemos tem sido sempre caracterizado por ondas. Conforme o verão está terminando, vemos pessoas se unindo, abrindo suas mentes, e se dando conta da seriedade da batalha pela frente.

Devo frisar que quatro ocupações desalojadas em 26 de Agosto eram associadas com grupos que estavam em desacordo. Mas o diálogo que tem seguido tem expressado união e solidariedade. As coisas estão ruins e definitivamente vão ficar piores. Mas eu acredito que as pessoas vão se unir. Isso já está acontecendo.

O que podemos fazer fora da Grécia para apoiar o movimento anarquista e a liberdade de imigrantes aí? Quais são as formas mais efetivas que podemos agir em solidariedade?

Para bem ou mal, Exarchia tem sido retratada como a Meca do anarquismo global. Algumas vezes eu rio disso, mas então eu me lembro de não tomar como garantido os elementos de beleza desse bairro.

Muitas diriam que a resposta para sua pergunta é ir às embaixadas gregas e deixar o Estado grego saber que Exarchia não está isolada, que é amada pelo mundo todo. Mas eu diria, no espírito da solidariedade revolucionária, que a coisa mais importante que aquelas pessoas que leem esse texto podem fazer é continuar a criar espaços e comunidades onde quer que estejam.

Exarchia tem uma boa quantidade de problemas, mas é geralmente um espaço seguro. Considerando seu tamanho, o fato de que funciona tão bem sem policiamento – apesar de tanta diversidade e diferenças internas e pressão externa – confirma a viabilidade do anarquismo. Exarchia confirma que mesmo sem uma força policial, uma área grande metropolitana pode funcionar pacificamente. Então uma forma que vocês podem demonstrar sua solidariedade é trabalhar para criar mais comunidades que celebram a auto-determinação, que não dão boas-vindas a polícia.

Esse ano verá as primeiras celebrações de eventos anuais importantes debaixo do governo do Nova Democracia, incluindo 17 de Novembro, o aniversário do dia em que 23 estudantes foram mortos pela Junta na Politécnica em Exarchia, e 16 de Dezembro, o aniversário do assassinato de Alexis Grigoropoulos que provocou a insurreição de 2008. O Nova Democracia tem usado ambos os dias para reunir seus apoiadores e argumentar que devem acabar com as leis de asilo. Enquanto o movimento tem geralmente sido crítico do que é chamado de anarco-turismo, eu acho que a atitude acerca disso está mudando. Se as pessoas virem para a Grécia para esses dias, elas poderiam ajudar a proteger Exarchia.

Apoiadores de fora também podem vir a Grécia para ajudar imigrantes independentemente do Estado ou de ONGs, dentro ou fora de Atenas. Isso já está acontecendo por bastante tempo.

Não é fácil dizer exatamente o que vocês devem fazer. Enquanto eu escrevo isso, eu ainda não sei o que o Nova Democracia tem planejado, nem como anarquistas aqui vão responder. Mas há policiais com equipamento de choque cercando o bairro, policiais disfarçados vagando pelas ruas, e tensão em todos os lugares. Estou igualmente com medo e animada para ver o que está por vir.


Leitura Complementar

Para perspectivas em inglês de outras pessoas anarquistas se organizando em Atenas por agora, você poderia começar por essas entradas:

  1. Muitas atribuem essas três mortes ao chefe se recusando a deixar funcionários saírem durante a greve geral e ao motim que previsivelmente a acompanhou.